O SER E AS BOLAS



Uma bolinha de gude
a rolar entre os dedos,
aguçando as células táteis,
inquietando os pensamentos.
Sensibilizando o cérebro,
desenvolvendo muitas imagens.
Rola pequena bolinha de vidro,
com seu brilho falso de pedra preciosa,
com sua superfície lisa tocando
o acidentado relevo da geografia mental.
Rola como que rolo compressor,
como força viva
cheia da própria onipotência.
Rola singela e pura,
como que os dogmas indigestos
pelas gargantas dos retraídos,
invadindo o passivo e pobre esôfago,
indefeso ante a força ativa do reles cotidiano.
Rola cheia de astúcia,
imitando o mito do “Cavalo de Tróia”,
penetrando o interior,
explodindo em muitos pedaços,
fingindo-se de presente
enquanto rouba a saúde.
Fazendo-se mãe de outras
tantas minúsculas bolinhas,
incômodas e ínfimas esferas,
a bolinar a cabeça daquele
que pensa-se poeta,
criando conclusões geniais ou obtusas.
Levando a crer que
quem nasce bola será sempre bola,
confundindo e intrigando,
gerando um enigma
tão discreto que é indecifrável,
uma redundante redundância.
Mas em meio ao caos, um ponto fixo,
a bola das pupilas dos imensos olhos,
com suas belas e suaves curvas,
trazendo a lembrança
do contorno das montanhas,
despertando para a inspiração
das mágicas e artísticas
curvas do perfil feminino.
Fazendo, assim, o sentimento
ser o feroz feitor da razão,
escravo das doces sensações.
Debelando a criação que desejava ser filosofia,
transformando-a em pretensa poesia.
E a poesia transformando o poeta em pintor,
tendo a visão de um quadro de muitas bolas.
Um vivo e constante mesclar de muitas cores,
uma impulsiva atração entre as tantas tintas.
Perdendo-se assim do dia-a-dia,
perdendo o olhar na visão do céu
e seu fervilhar de estrelas.
Vendo a imagem da bola planetária
a girar perdida em meio a tantas outras bolas.
Sentindo que os pés fogem do chão,
pensando ganhar asas que efetivamente não tem.
Ficando obstinado pela importância tão essencial
que está oculta nessas tantas bolas,
naquilo que elas têm de ínfimo
a contrapor-se à sua
impalpável alma mergulhada no infinito.

Gilberto Brandão Marcon
Todos os Direitos Reservados

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A REBELIÃO DOS SENTIMENTOS




Não deveria estar triste,
Mas de fato estava.
Queria não ter ansiedade,
Mas estava ansioso.


Desprezava a autopiedade,
Mas sentia-se fraco para abandoná-la.
Queria mover-se rapidamente,
Mas seus passos estavam inertes.


Tinha o ideal de muito construir,
E a realidade só fazia destruir.
Almejava a explosão de forças,
Mas deprimia-se acuado.


Poderia se entregar ao medo,
Mas se enchia de coragem agressiva.
Caído, fazia-se impiedoso consigo.
Zombava de si, e desafiava-se à luta.


Erguia o punho à indiferença do tempo,
Rebelava-se contra o determinismo.
Atraía-lhe o afeto da suave chuva,
Mas o coração queria tempestade.


Rejeitava o mundo externo
E mergulhava na sua intimidade.
Um jogo de realidade e ilusão,
A verdade lutando com a mentira.


E quem pode dizer o que é certo?
E quem pode afirmar o errado?
Meros servos da moral que somos,
Ainda longe da filiação da ética.


E toda dignidade pode ser encenação.
E todo idealismo, exercício de hipocrisia.
E então possuidores, seremos desprovidos.
Crentes da riqueza, seremos miseráveis.


A dor aguda pode anestesiar.
O marasmo pode tornar-se costume.
A indiferença pode justificar a covardia
E muito querendo, pode-se ter nada.


Gilberto Brandão Marcon
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PRECONCEITO RACIAL




O PRETO...O BRANCO...
O AMARELO...O VERMELHO
PROBLEMAS DE MELANINA.
EPIDERME, MERA SUPERFÍCIE.
E SÃO CORES, SOMENTE CORES.
E A DIFERENCIAÇÃO
TRANSFORMA-SE EM SEGREGAÇÃO.
A NATUREZA COMPETITIVA,
OS GRUPOS PREDATÓRIOS.
ÁFRICA...EUROPA...ÁSIA...AMÉRICA.
DA ANTIGUIDADE PARA O PRESENTE,
BARBÁRIE, CIVILIZAÇÃO, A HISTÓRIA.
PRETO ESCRAVIZANDO PRETO,
BRANCO ESCRAVIZANDO BRANCO,
AMARELO ESCRAVIZANDO AMARELO,
VERMELHO ESCRAVIZANO VERMELHO,
E APÓS A ESCRAVIDÃO,
DENTRO DAS PRÓPRIAS RAÇAS,
A ESCRAVIDÃO DE RAÇAS
POR OUTRAS RAÇAS.
DOMINADOS E DOMINANTES,
MAS SEMPRE A ESCRAVIDÃO.
O MATAR-SE DE UNS AOS OUTROS,
EM ETERNAS AGRESSÕES
SEGUIDAS DE ETERNAS VINGANÇAS.
SEMPRE HAVERÁ PODER
PARA LEGALIZAR O IMORAL?
TRADIÇÃO DE COSTUMES
ESTÚPIDOS E PRIMITIVOS.
AO ARRANCARMOS AS CORES,
SERÃO HOMENS
A VITIMAR OUTROS HOMENS.
PRENÚNCIO DE POESIA APOCALÍPTICA,
O MUNDO DOMINADO
PELA ESTIRPE ESPARTANA.
BRUTALIDADE E HONRA.
CRUELDADE E GLÓRIA.
EXISTEM LÁGRIMAS
SOBRE OS DESPOJOS,
QUE NÃO SEI SE
VERDADEIRAS OU HIPÓCRITAS,
OU MELHOR SERIA DIZER,
IGNORANTES OU NEURÓTICAS.
LOUCOS OU MAUS.
"QUEM COM FERRO FERE,
COM FERRO SERÁ FERIDO".
HAVERÁ DIAS
EM QUE O FERRO EM BRASA
MARCARÁ A TESTA DE TODOS.
DESEJO DE JUSTIÇA,
MAS SERÃO JUSTOS OS JUÍZES ?
NO SAGAZ COMBATE,
O MEDO DO FIM DE TUDO.
AS VESTES DE TECNOLOGIA
NÃO CONSEGUEM
OCULTAR OS ESPÍRITOS TRIBAIS.
BRUCUTUS FUTURISTAS.
O FOGO HÁ DE QUEIMAR
O QUE A IGNORÂNCIA CRIOU?
SERÁ O FERRO EM BRASA
O INSTRUMENTO DE ESCRITA DO FUTURO?
DEMENTADOS ARMADOS ATÉ OS DENTES,
OS OBJETIVOS A SEREM ATINGIDOS
SÃO OS PONTOS VITAIS DO INIMIGO,
DESTRUINDO AQUILO
QUE NÃO SABEM CONSTRUIR.
TENAZMENTE ESTÚPIDOS,
ATRACAR-SE-ÃO
ATÉ A ÚLTIMA GOTA DE SANGUE.
TALVEZ TARDE DESCUBRAM O RESULTADO ,
ENTÃO, NÃO MAIS OPONENTES,
MAS APENAS RELES ESCÓRIA,
MENDIGOS ORGULHOSOS E VAIDOSOS,
DESTERRADOS, CRIADORES DE DESERTOS,
QUE TERÃO POR PRÊMIO
AREIA, MUITA AREIA.
E DO PÓ FOI FEITO...
E AO PÓ RETORNARÁ

GILBERTO BRANDÃO MARCON
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

JUNTO DAS ESTRELAS



Deixar a mente transcender,
divagando em pensamentos,
viajando em sentimentos,
ouvindo o coração bater
cada vez mais distante.
E sentindo o corpo leve,
como que ave,
como que pluma ao vento.
Voa liberta ave da alma,
voa a levar para muito longe a angústia
e para tentar encontrar, novamente,
a pressentida felicidade.
Voa sem barreiras,
convertendo o seu corpo em simples fluido,
ganhando consistência etérea
do ser mantendo unicamente a alma.
Longe, muito longe,
lá de cima a observar o velho planeta.
Voa mais, vai ainda mais longe,
e então as muitas esferas ,
e dentre elas a bela jóia terrestre.
Visão impactante,
não sabendo se atingiu a sublime lucidez
ou a suprema loucura.
É o pássaro que brinca
num voo arriscado sobre a garganta
de um imenso abismo sideral.
Um desafio, a sensibilidade extremada
a provocar dúvidas
e conclusões da limitada razão.
Necessário estar pronto
para receber novas idéias,
estar disposto
a criar novos pensamentos.
Essencial ter discernimento,
ter sobriedade para diferenciar
o que é realidade do
que é mera ilusão.
Urgente é aprender,
é conviver com o infinito,
sem perder a capacidade
de viver no limitado cotidiano.
É preciso profunda serenidade
para ver a aurora da eternidade,
sem perder por completo a razão.

Gilberto Brandão Marcon
Todos os Direitos Reservados