ENCONTRO NA DESPEDIDA



Quem quer crer, que acredite...
Pois que o tempo ilude o crente.
Mas eis que um tal Senhor do Tempo disse:
Hoje será velho,
e amanhã será completamente novo.
E os dezembros ficaram senis,
e os janeiros infantes.
E ficamos felizes com este ir e vir,
com este morrer e nascer,
com esta proximidade quase impossível
onde a despedida se encontra com a chegada.
Abandonamos o passado como um despojo,
e recebemos o futuro
com grande festa no presente.
Ilusões do tempo : quem quer crer, que creia.
Mas e quem não quer crer?
Mesmo o mais orgulhoso descrente
não abre mão da esperança
e seria insensato não encontrar nela algo de ilusão.
E neste engano compulsório (ou consentido, sei lá....)
esteja, talvez, a graça de apenas viver e não questionar.
Mas o que fazer se para uns a dúvida insiste em viver?
Se encontramos divertimento
nesse fio de navalha que é o pensar,
o que fazer?
Talvez seja simples demais para entender,
pois que neste jogo de nascer e morrer
vivemos coletivamente em meio a dois atos solitários.
E então, talvez o segredo seja a vitória sobre a solidão,
pois se nela está o encanto que promove a poesia,
também está o temor do ter tudo
e ninguém para compartilhar.
E o gozo do desejo se transforma em delírio.
Mas quanto pensar apenas por ver um ano acabar,
enquanto outro já está por nascer...
Uma tola tentativa de desmistificar o estabelecido.
Pois que fique o mito.
Brindemos ao mito,
pois assim renovamos a esperança.
Bebamos água ou vinho,
mas brindemos à esperança.
Nela está a vida que transcende a fé.
Nela está o acaso
que não nos deixa morrer pela razão.
Então, que venha o novo ano,
seja ilusório ou real.
O fato é que será vivido,
e em se vivendo, haveremos de ser suas testemunhas
nesse correr rápido, por vezes lento...
Causamos um riso sincero no Senhor do Tempo
quando também nos iludimos ao imaginá-lo,
pois limitados aos adjetivos,
não entendemos a substância,
para então reconhecermos o limite
da essência oculta que desafia a imaginação.
E isto nos dá dor e prazer,
sentido e falta de significado,
pois que na contradição está o gozo de ser.
E ser não basta se não for feliz,
e então a ilusão se justifica,
a esperança se explica,
de forma que deixemos que o ano fique velho.
Que morra por nós,
que seremos renascidos no novo,
enganando nossa efemeridade,
neste sentido de continuidade.
Pois que no continuar está a esperança,
o movimento que cria a ilusão do tempo,
do ano que vai ,
do ano que vem...

Gilberto Brandão Marcon

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O CRISTO VIVO



Dias, meses, anos...,
os séculos, os milênios.
Um pequeno planeta,
oriente médio, um deserto.
Uma estrela guia,
reis magos que procuram o rei celestial.
Um pai, uma mãe,
uma simples manjedoura,
um nascimento.
Um suave botão de flor
a despertar na aridez do deserto.
Habita o futuro salvador
no corpinho de tenra criança.
Profecias do passado,
esperava-se um grande guerreiro,
Mas eis que veio da luz
para as trevas um médico de almas.
Imaginava-se um nacionalista,
mas este foi cidadão universal.
Almejava-se a fúria divina,
mas chegou o filho
para ensinar o amor do Pai.
Desejava-se o justiceiro implacável,
mas veio o mestre da misericórdia.
Queria-se um varão vingador,
mas veio quem ensinaria o perdão.
Sonhava-se um libertador político,
mas surgiu quem libertaria
da escravidão do corpo.
Obstinava-se pela glória de Israel
sobre os povos
e condenaram a cruz o seu rei.
O menino do céu
que fez-se filho do homem,
o pacífico que venceu a morte.
Foi a própria força,
mas por amar ao próximo fez-se fraco.
Desvendando pela ressurreição
a eternidade da alma.
Reafirmou o único Pai,
mostrando-o ser justiça,
mas também ser amor.
Quis que os servos da lei
se fizessem filhos,
quis que estes descobrissem-se irmãos.
E foi amor ante ao ódio.
Foi pacífico ante a provocação.
Foi perdão frente ao pecado.
Convidou-nos para o amor.
Chamou-nos para a paz.
Deu-nos o arrependimento produtivo.
Homem que não deixou morrer
o menino puro
e por isto sua alma foi pomba
que fez-se anjo.
Subiu ao céu,
antes apenas dos pássaros,
retornou a casa do Pai para aguarda-nos.
E hoje nos espera, aguarda-nos ,
mesmo que desajeitados,
para voarmos a seu encontro,
Na grande alvorada prometida
para a eternidade
dos que forem justos e misericordiosos.


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AMIZADE





Amigo não se acha,
Não se encontra,
Amigo se tem.
Amigo não é apenas concordância,
Mas mesmo quando adversários,
Ainda assim nunca serão inimigos.
A amizade não está nas palavras agradáveis,
Mas no sincero sentimento do coração.
Amizade não se constrói apenas com intenções,
Mas se alicerça nas atitudes.
Amizade não se faz com estéril cordialidade,
Mas com respeitosa franqueza e lealdade.
Um amigo não abusa do outro,
Não se aproveita da boa vontade alheia.
Amigo não abandona o que está em dificuldade,
Compartilha as derrotas e divide as vitórias.
Amigo não espera pedido de socorro, socorre.
Amigo não é servil, mas tem prazer em ajudar.
Amigo não exige, pois sabe pedir com bom senso.
Amizade é sentimento superior,
E só surge na união por ideal elevado,
Pois os que se unem por mero interesse
Não são amigos,
Mas meros parceiros ou sócios.
As verdadeiras amizades moram no espírito.
Amizade não é apenas dizer “sim”,
Por vezes um “não” é maior prova de amizade.
Amigos são os que reconhecem as imperfeições,
Mas que se unem na busca do aperfeiçoamento,
Na luta pelo crescimento, que é conquista conjunta.
Somente os verdadeiros ideais levam à união,
Estes ficam escritos no fundo do coração.
Já os que buscam apenas a realização material,
Por vezes constroem obras suntuosas,
Mas descobrirão o vazio da falta de um ideal.
Ante a visita da morte ficarão confusos,
Sentirão que tudo está perdido.
Entretanto, aos que se unem por ideal,
A morte deixa apenas uma saudade resignada.
A presença que fica, de alguma forma está viva,
A desafiar as fibras doloridas dos nossos corações.

Gilberto Brandão Marcon
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http://recantodasletras.uol.com.br/poesiasdeamizade/1543421




Êxtase



Resta agora apenas uma silhueta,
um perfil de belas curvas.
Uma personagem oculta,
um ser cheio de vida
ocultado pelas sombras.
Atriz principal neste quadro
pintado com tons de sensualidade.
Imagem cheia de silêncio meditativo,
misturada apenas a sons da natureza.
Não existem mecanismos ou engrenagens,
mas uma alma primitiva e bela.
O movimento se faz como que anestesiado,
com uma lentidão agradável.
No cair de uma tarde o sol crepuscular
denuncia os seus últimos raios dourados.
O vermelho da paixão. O alaranjado da vida.
E o azul pacificador da noite que chega.
As rarefeitas nuvens vão ganhando
tonalidades diferentes na transformação do dia.
Antes cheias de cores solares,
agora azuis prateadas pelas emissões lunares.
Por entre os traços de nebulosidade
brilham estrelas que ocultam os seus pendores.
O coração está cheio de uma falsa calma,
enquanto o cérebro preguiçoso relaxa.
Como que numa leve brisa
as idéias vão surgindo,
dando corpo a um poema.
São letras que se acasalam
produzindo uma forma estética
e uma expressão sonora.
Passa o tempo, o escuro da noite
toma conta da abóbada celeste,
ganha profundidade.
Uma expressão de promessa,
um convite ao desejo,
criando a lembrança do olhar feminino.
Olhos de deusa celestial.
E num ínfimo instante se recria
um novo mundo imaginário.

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GALOPE


Um retrato.
Um quadro a ganhar movimento.
Fulgura no horizonte um sol vermelho
tonalizando de carmim a todo ambiente,
gerando sombras em meio à imagem crepuscular.
Muitas sem movimento
e uma única a mover-se.
Silhueta negra,
homem montado em cavalo.
Dourados tons dos raios solares ocultos nas nuvens.
O céu parece arder em fogo.
O vermelho abrasa o cinza.
O bater dos cascos. Forte galope.
A agitação cardíaca.
Desabalada carreira,
não sabe se está em fuga
ou se busca encontro.
Chicotes de luzes,
as tensões a esporearem o corpo,
o domínio dos arreios.
Os freios estão quase que soltos,
a fúria dos dentes brancos.
A potência da força,
o impulsionar nervoso dos músculos.
Debatem-se homem e animal.
Companheiros ou adversários.
Obstáculos à frente.
Retira-se da cintura reluzente espada.
O brilho da lâmina,
o movimento agressivo de mãos e braços,
podando os entraves do caminho,
abrindo trilha para poder passar.
O coração abastecendo as vasos,
o sangue novo despojando o velho.
Rompem o vento
que quer impedir o trepidante galope.
No confronto não existe ódio,
mas apenas força obstinada.
Uma enérgica direção
onde busca-se, em desespero, a eternidade.
Daí esta aferrada corrida,
numa união de corpo e alma,
numa junção tão íntima de dois seres
que haverão de parecer um.
De tal forma que acabarão por muito andar
e por chegar ao fim da terra,
para encontrarem, então, a água.
E não querendo o animal mergulhar,
desmontará o homem,
impulsivo, indo atirar-se no misterioso líquido,
deixando o corpo afundar
para sobreviver com o ar guardado nos pulmões.
Momento de luta,
o enfrentamento dos limites físicos,
o grande desafio,
para depois dominar-se
com as rédeas da ponderação,
decidindo emergir.
Tendo prazer ao perceber
que conseguiu sobreviver,
almejando tocar a terra.
Nadando com potentes braçadas para o leito,
sentindo a exaustão do coração.
Chegando quase sem vida à terra,
arrastando-se pelo solo que rejeitou.
Tendo, então, o seu encontro fatídico com a morte,
porém, olhando sem temor para sua face,
soltando estridente gargalhada,
deixando-a sem jeito,
meio que envergonhada.
Preferindo ir embora e deixá-lo em paz.
E este ficou
ao lado do seu belo equino,
deixando o sol revigorar-lhe a vida.
Num cansaço cheio de realização,
numa exaustão cheia de liberdade.

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